Escrito por Emilio Miranda
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Ter, 30 de Outubro de 2007 17:36 |
Eu tenho um colega engenheiro eletrônico cujo apelido é Bira. Hoje ele é um felizardo. Trabalha para a Landis&Gyr, empresa que já a alguns anos é uma das melhores empregadoras do Brasil. Porém, nem sempre foi assim.
Teve época que trabalhou no Pólo Industrial de Manaus quando os seus cabelos eram mais escuros e menos escasso. Como bom paulista que é, logo arrumou um esquema para caçar. Um velho esporte bandeirante que desde antanho tanto fazia ser caçada de macaco, onça, peba ou índio. Mas, que em tempos atuais de consciência ecológica e coisa e tal este último item foi escrupulosamente retirado. O fato é que um magote de engenheiros e técnicos capitaneados por um mateiro adrede encontrado nas cercanias de Manaus fazia o terror das aves e macacos nos fins de semana.
Pois bem, lá ia o grupo por uma vereda se embrenhando no mato na fria madrugada da selva amazônica: uma brasília do guia, um jeep do Bira e outro carro que não lembro qual era mas que aqui não vai fazer diferença. O fato é que a turma passou o dia incomodando a macacada sem muito sucesso. O dia estava para a caça com as folhas das árvores imensas escondendo cuidadosamente os pobres mamíferos e aves da sanha dos paulistas.
Sem proteína nativa e fresca para comer o grupo resolveu deglutir um arroz de carreteiro com carne de jabá comprada num mercado de Manaus. Sentaram acampamento numa clareira no meio do mato e acenderam uma fogueira. Teve início a cocção do grande naco de carne salgada para retirar-lhe o cloreto de sódio. Uma precaução para não salgar demais o arroz. Estavam despreocupados a papear, com o trinado de cigarras e coaxar dos caçotes como acompanhamento, quando um grande esturro troou na escuridão da mata. Uma onça pintada das grandes estava com fome ou com muita raiva. E estava perto. Um grave e silêncio interrompeu a animada prosa. Os caçotes e as cigarras pararam sua zoada também. O ar parecia mais denso. Podia-se sentir o medo imiscuindo-se nas fibras musculares e gelando os ossos.
Num átimo o Bira viu um vulto saltar por sobre uma moita e pousar defronte ao grande caldeirão de jabá. Os cabelos da nuca arrepiaram-se na falta de cobertura capilar no cocoruto. Ficou claro que o cheiro de carne atraiu o grande felino para perto da panela. E ele estava com fome, por que sem cerimônias começou a golpear com uma das patas o caldeirão quente.
Desesperado o Bira procurou por seus parceiros. Eles simplesmente sumiram. Não podia ser, eles tinha evaporado. Olhou com mais cuidado quando descobriu três já enfiados debaixo da brasília do guia. A onça por sua vez já tinha tirado o caldeirão do fogo. Mas, não se sabia até quando estaria entretida com ele. Pensando rápido o Bira virou-se e correu em direção ao jeep. Não seria boa tática dar as costa para uma onça, de qualquer forma ele foi a procura de sua espingarda de repetição calibre 12.
O jeep estava estacionado de frente para a fogueira. O vidro frontal rebatido sobre o capô. O nosso herói, com toda a adrenalina que seu sistema glandular poderia injetar na corrente sangüínea, já tinha alcançado o para-choque frontal em dois lances como se fosse um saltador olímpico. Mais não era. Os chopps que costumava tomar nos finais de semana, fazendo sua barriga um pouco inchada e lisa, cobraram o seu tributo. Quando ele pensou que já estava saltando sobre o para-brisa em direção ao interior do utilitário o seu pé esquerdo ficou lá enganchado. De repente ele caiu de cara em cima das alavancas de câmbio do jeep. As manoplas de baquelite duras e negras golpearam a sua cabeça com violência. Assim ficou o desventurado Bira, meio que desacordado com a pancada: com a metade inferior do corpo em cima do capô e a superior engastada no sistema de alavancas do jeep. Na famosa pose em que Napoleão perdeu a guerra. E pior, com o derriere voltado para cima e na direção onça. Agora estava nas mãos da providência. E esta tratou de contentar a onça que saiu tranqüila arrastando o pedaço quente de jabá.
Quando sentiu a consciência voltar o Bira agarrou a 12 que estava ao seu lado no banco do passageiro e pôs-se en guard na direção da onça. Só viu o rabo dela desaparecer na mata. Os amigos ainda continuavam debaixo da brasília. E por lá ficaram um bom tempo.
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